Prof. Hélio Zylberstajn aborda a questão do trabalho pela perspectiva da adoção, em escala crescente, das novas tecnologias.

O trabalho tem futuro?
Hélio Zylberstajn – Professor sênior da FEA/USP e Coordenador do Projeto Salariômetro da Fipe

O desemprego é, sem dúvida, uma das maiores preocupações nos nossos dias, tanto no curto prazo quanto no longo prazo. No curto prazo, temos que reduzir o quanto antes as taxas de dois dígitos que nos incomodam há três anos. Para que isso ocorra, é necessário voltar a crescer e sair definitivamente da terrível recessão iniciada em 2015.

Mas, neste artigo, vamos olhar adiante e tratar dos aspectos de longo prazo da questão do emprego.

As preocupações de longo prazo decorrem da adoção em escala crescente das novas tecnologias e podem ser divididas em quatro dimensões:

Primeiro, vem a questão do emprego em si. Assim como no passado, as inovações de hoje destroem empregos. E, assim como no passado, criam novos postos de trabalho. No passado, o efeito líquido sempre foi positivo. Desta vez, porém, o processo de criação e destruição de empregos é diferente.

Antigamente, as novas máquinas substituíam o trabalho braçal e rotineiro. A atual onda de inovação tecnológica com base na inteligência artificial, na computadorização das ocupações, nos robôs, na indústria 4.0 é diferente das ondas anteriores. As máquinas do século XXI estão substituindo até mesmo tarefas cognitivas que envolvem tomada de decisões. Será que desta vez a destruição superará a criação?

Há muita gente apostando que sim, mas, para outros, os empregos criados serão novamente em maior número que os destruídos. Um recente estudo do World Economic Forum (WEF) prevê que, nos próximos dez anos, os robôs destruirão 75 milhões de empregos e criarão 133 milhões de postos de trabalho (quase o dobro do que vão destruir).

Portanto, a redução do emprego decorrente da Revolução 4.0 não é uma certeza.

Segundo, se as opiniões se dividem quanto ao volume do emprego no futuro, há convergência sobre o tipo de trabalho e o perfil de trabalhadores para executá-lo. As novas ocupações demandarão qualidades que muitos dos trabalhadores desalojados não possuem.

Além disso, haverá um processo de polarização no mercado de trabalho. No topo, teremos ocupações que exigem muita qualificação, e, na base, uma massa de pessoas alocadas em postos de baixa qualificação. O mercado de trabalho do futuro produzirá, provavelmente, mais desigualdade do que o atual.

Terceiro, o que hoje chamamos de trabalho atípico, será, provavelmente o “novo típico”. Com as novas tecnologias, as empresas não precisarão mais que os trabalhadores estejam fisicamente presentes para executar suas tarefas. Não precisarão também de tantos trabalhadores permanentes e com vínculos contínuos.

Cada vez mais a empresa verticalizada do século XX será substituída pela cadeia produtiva horizontal, coordenada por meio dos instrumentos que a tecnologia da informação proporciona.

Por outro lado, os próprios trabalhadores tenderão a preferir menos compromissos na sua vida profissional. A carreira de um voo só e o “life long job” darão lugar a trajetórias profissionais mais variadas tanto no espaço físico quanto na própria dimensão ocupacional.

Com transformações mais frequentes na maneira de fazer as coisas, as pessoas precisarão adquirir novas aptidões e novo conhecimento ao longo de toda a vida profissional, para evoluir e continuar participando do mercado de trabalho.

E chegamos à quarta dimensão: o desafio para o Direito do Trabalho e para a regulamentação do mercado de trabalho, que o futuro trará. Ambos surgiram e se desenvolveram para oferecer basicamente dois tipos de garantia: primeiro, um padrão mínimo de remuneração e de condições de trabalho, e, segundo, alguma segurança e proteção contra movimentações indesejadas (por exemplo, a demissão).

Mas o mundo do trabalho que se vislumbra no futuro será caracterizado exatamente pela mobilidade espacial e ocupacional. Se assim for, os trabalhadores não precisarão mais da proteção contra a demissão, mas sim de garantias para a mobilidade bem-sucedida na trajetória ocupacional. Não fará sentido continuar a proteger o “vínculo”. O foco da proteção terá que mudar.

No futuro, falaremos menos em “emprego” e mais em trabalho. O futuro do emprego é incerto, mas o trabalho continuará a existir e precisará que todos entendamos as novas necessidades dos trabalhadores para desenhar as proteções e as políticas mais adequadas.

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