Prof. Amauri Mascaro Nascimento (in memoriam) discorre sobre a existência de dois polos antagônicos das condições de trabalho no Direito do Trabalho.

A proteção das condições de trabalho
Amauri Mascaro Nascimento (in memoriam)

Existem dois setores das condições de trabalho no Direito do Trabalho. Parece-nos que há certo exagero na posição radical, ao afirmar que todas as condições de trabalho são indisponíveis, como também seria radical a postura oposta, da entrega ao mercado da disponibilidade de todas as condições do trabalho, que não pode acontecer.

E não pode acontecer porque há dois tipos diferentes de direitos trabalhistas e de condições de trabalho: um, o grupo que pela sua natureza constitui um núcleo duro e que deve ser cercado da máxima proteção da lei, e, outro, que pode com alguns cuidados submeter-se à disponibilidade dos sujeitos do contrato de trabalho.

A construção dogmática até hoje vem se esforçando para mostrar a existência desses dois setores, mas sem maiores avanços, com o que só é possível um delineamento da questão, mas não uma conclusão definitiva.

Há diversas teorias que procuram cercar algumas das condições de trabalho, as mais importantes para a vida, a saúde, a integridade física, a moral e outras, da segurança e imperatividade de que necessitam.

Uma delas é a do Direito do Trabalho como direito fundamental do trabalhador.

Nesse caso, o Direito do Trabalho seria uma plataforma unilateral de garantias conferidas ao empregado, que estariam totalmente blindadas diante da interferência do empregador, sem nenhuma possibilidade para que este viesse a modificá-las.

No entanto, o empregador pode modificar algumas condições de trabalho. É o que acontece com aquelas que se enquadram no poder diretivo, do qual resulta o princípio, hoje pacífico, do jus variandi. Direitos não substanciais do trabalhador podem ser modificados. Não são direitos fundamentais.

Outra teoria é dos direitos trabalhistas como direitos mínimos que permitem aos sujeitos do contrato estipular outras condições apenas no sentido mais benéfico ao trabalhador. Ninguém dirá que é disponível o direito à saúde. Porém, ninguém dirá que é indisponível a alteração do horário de trabalho do empregado que ingressou na Universidade e que quer compatibilizar a jornada de trabalho com os horários escolares.

O empregado pode hoje ter alguns direitos trabalhistas que amanhã não terá ou porque foram suprimidos por lei ou porque as convenções coletivas assim dispuseram ou porque as próprias partes chegaram à conveniência da sua inutilidade, no sentido de que, levados às últimas consequências, passariam a ser um entrave para o trabalhador e não um caminho aberto para o seu desenvolvimento econômico e pessoal.

Há uma teoria segundo a qual os direitos trabalhistas seriam todos heterônomos, mas não é verdadeira, porque há direitos autônomos que são aqueles que as próprias partes criam e aos quais obedecem nos contratos individuais de trabalho, e são muitos, principalmente os advindos dos contratos coletivos de trabalho.

Outro conceito é o dos direitos trabalhistas como irrenunciáveis. Misturam-se, no direito contemporâneo, leis de proteção e leis de flexibilização, aquelas dispondo sobre irrenunciabilidade dos direitos do trabalhador, estas aceitando a modificabilidade justificada.

É possível afirmar que a doutrina dominante é a da transacionalidade e da conciliabilidade, o que dá suporte jurídico para composições diariamente concluídas em todas as partes do mundo para que, através de certas compensações, um direito seja alienável pela vontade de ambos os contratantes e outras condições substitutivas vigorem em seu lugar.

O direito brasileiro nesse particular tem uma jurisprudência que flexibiliza.

Autoriza a supressão das horas extras de modo unilateral pelo empregador, desde que pague uma indenização substitutiva das mesmas. Esse critério da indenização substitutiva de direito alienado vem ganhando terreno em outras matérias além das horas extraordinárias.

Outra teoria vê, nos direitos trabalhistas, direitos humanos, o que nos põe numa postura metafísica.

É possível, perfeitamente, entender que há certos direitos muito mais importantes para a generalidade do ser humano do que outros. O humanismo e a ideia de justiça social são qualidades que devem sempre acompanhar o Direito do Trabalho, o que não quer dizer que todas as condições de trabalho têm alguma relação com humanismo (ex.: o empregado que é mudado de seção) ou com justiça social (ex., o empregado que quer um capacete de proteção maior por achar que o que usa ficou apertado).

Outros, ainda, entendem que as condições de trabalho que devem ser mais bem protegidas integram o direito tutelar do trabalho, distinguindo-o do direito contratual do trabalho, sem esclarecer na medida necessária se esse setor a que chamam de direito tutelar é direito público ou privado e em que consistiria o direito contratual. Se assim for, há o direito não tutelar do trabalho. Nem todas as leis do trabalho são tutelares (ex.: suspensões disciplinares dos empregados). Nele incluem as condições de trabalho. Porém, entre estas há as de direito primário e as de direito derivado.

Do exposto, o que se pode concluir é que há dois setores ou duas áreas do direito das condições de trabalho, ambas não estão devidamente delineadas pelo Direito do Trabalho e não existe uma linha divisória que com rigor os separe.

Certo é que uma deve merecer do legislador uma interferência maior, no sentido de promover maior garantia, outra não exige tamanho cuidado do legislador, pois, pela sua natureza, são condições de trabalho que, embora relevantes, não o são a ponto de exigirem uma inflexibilidade que os tornem absolutamente intocáveis, o que seria desaconselhável e dificultaria o cumprimento dos fins objetivados pelo Direito do Trabalho, dentre os quais a proteção do trabalhador, sem impedir a ativação da Economia da qual dependem os empregos.

Resta saber como delimitar e denominar esses dois setores e de que maneira seria possível estabelecer quais as condições de trabalho que devem ser incluídas num setor e em outro setor e, finalmente, quais as proteções que a lei deve estabelecer e as facilidades que deve promover na relação entre as partes e esses mesmos direitos.

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