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Boletim 194
Educação superior e mercado de trabalho
Educação superior e mercado de trabalho
Hélio Zylberstajn – FEA/USP
Historicamente, a educação superior tem sido um mecanismo de ascensão social no Brasil, evidenciado pela grande magnitude do diferencial de renda a favor dos egressos das instituições universitárias. Nos últimos anos, porém, o diferencial tem diminuído devido à notável ampliação das oportunidades de acesso ao sistema de ensino superior. O Gráfico 1 mostra que a expansão começou na segunda metade dos anos 1990, ainda no governo FHC, e prosseguiu até 2012, quando se interrompeu.
Em aproximadamente duas décadas, a quantidade de egressos das instituições dobrou com FHC e dobrou novamente com Lula-Dilma. Enquanto o ensino superior era acessível a poucos, o mercado de trabalho pagava “prêmios” altos para os detentores de diploma. Com a expansão da oferta destes trabalhadores, o diferencial tende a diminuir confirmando a lei da oferta e da procura.
Mas o diferencial de renda entre os que têm diploma e os que não têm não se reduziu apenas devido a mudanças quantitativas. Há uma outra razão, que procurarei mostrar a seguir. Para tanto, é preciso examinar a Tabela 1, composta de duas partes. A parte A apresenta a distribuição dos concluintes do ensino superior de acordo com as respectivas áreas de conhecimento. A parte B apresenta a distribuição dos trabalhadores com diploma superior no mercado de trabalho.
Na Parte A a Tabela mostra que mais da metade dos egressos do ensino superior se concentra em apenas duas áreas de conhecimento: Administração (linha 1, com 30,3%) e Licenciatura (Linha 2, com 21,0%). Juntando-se mais quatro áreas de conhecimento, se chega a 80% dos concluintes (Linhas 3 a 6: Saúde - 10,7%, Direito – 9,3%, Engenharia – 5,2% e Computação – 3,5%). Ou seja, de cada 10 egressos, 8 se foram em apenas 6 áreas.
Estes egressos encontram trabalho correspondente às suas respectivas áreas de conhecimento? A parte B da tabela mostra que aparentemente, apenas dois grupos encontram: os professores (linha 9 – 22,5%) e os profissionais da saúde (linha 11 – 5,9%).
A parte B da Tabela indica igualmente uma grande concentração: 6 ocupações representam nada menos que 50% do mercado de trabalho. Mas não há uma correspondência direta entre as áreas de conhecimento dos egressos e as ocupações com nível superior do mercado de trabalho. Nada menos que 9,4% dos trabalhadores com nível superior são escriturários ou auxiliares administrativos (linha 10). O sistema de ensino superior forma praticamente o mesmo número de Advogados (linha 4 – 9,3%) e de Engenheiros e profissionais da Computação (linhas 5 e 6, com 5,2% e 3,5%, respectivamente). E todos parecem ser “engolidos” por ocupações que não correspondem às suas áreas.
Tabela 1. Concluintes do ensino superior e mercado de trabalho
A. Principais áreas de conhecimento dos concluintes do ensino superior |
Porcen
tagem |
Porcentagem acumulada |
1. Comércio e administração |
30,3% |
30,3% |
2. Formação de professor e ciências da educação |
21,0% |
51,3% |
3. Saúde |
10,7% |
62,0% |
4. Direito |
9,3% |
71,3% |
5. Engenharia e profissões correlatas |
5,2% |
76,5% |
6. Computação |
3,5% |
80,0% |
7. Demais áreas |
20,0% |
100,0% |
8. Total de concluintes (1.030.520) |
100,0% |
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B. Principais ocupações dos trabalhadores com ensino superior |
Porcen
tagem |
Porcentagem acumulada |
9. Professores da educação infantil e do ensino fundamental, médio e profissional |
22,5% |
22,5% |
10. Escriturários em geral, agentes, assistentes, e auxiliares administrativos |
9,4% |
31,9% |
11. Profissionais da Medicina, saúde e afins |
5,9% |
37,9% |
12. Profissionais de organização e administração de empresas e afins |
4,9% |
42,7% |
13. Gerentes de área de apoio |
4,5% |
47,2% |
14. Professores do ensino superior |
4,0% |
51,2% |
15. Demais ocupações com profissionais de nível superior |
48,8% |
100,0% |
16. Total dos profissionais com ensino superior (9.675.645) |
100,0% |
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Fontes: Censo Escolar 2014 (Parte A) e RAIS 2014 (Parte B)
Os números apresentados sugerem que o mercado de trabalho absorve os egressos do ensino superior, mas não os aproveita nas áreas de conhecimento em que foram treinados. Isso também afeta (para menos) os salários pagos e reduz o diferencial de rendimento destes profissionais em relação aos que não tem diploma superior. Se estas hipóteses forem corretas, o país estaria desperdiçando recursos públicos escassos e preciosos com seu sistema de ensino superior e as empresas não dispõem de profissionais de que necessitam.
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