Prof. Hélio Zylberstajn analisa crescimento da informalidade após reforma trabalhista

Mudanças no mercado de trabalho: estruturais ou conjunturais?
Hélio Zylberstajn – Professor sênior da FEA/USP e Coordenador do Projeto Salariômetro da Fipe

O principal impacto da recessão econômica no mercado de trabalho, como todos sabemos, é o aumento do desemprego, invariavelmente acompanhado pelo crescimento da informalidade.

São duas faces da mesma moeda: muitos trabalhadores perdem seus empregos formais e, para sobreviver, se engajam em atividades informais, enquanto não encontram uma nova ocupação formal. Esse tem sido o padrão de todas as recessões: contração do segmento formal e aumento da informalidade, que duram até o início de um novo ciclo.

Muitos acreditam que estamos diante de um novo padrão, no qual os vínculos permanentes seriam progressivamente substituídos por contratos de trabalho de curta duração e sem carteira assinada.

Para esta visão, os empregos formais perdidos não serão recuperados porque simultaneamente à recessão ocorre uma transformação estrutural no mercado de trabalho.

Há algumas opiniões que vão além, e atribuem à reforma trabalhista de novembro/2017 um reforço na tendência à ampliação dos contratos de trabalho “atípicos”. Temos, pois duas questões para enfrentar: (a) os vínculos formais estão mesmo desaparecendo? (b) o que a reforma trabalhista tem a ver com isso?

Em busca de respostas, utilizamos a Pnad Contínua do IBGE e classificamos as diversas posições na ocupação em dois grupos.

O primeiro, os assalariados formais, reúne empregados com carteira, domésticos com carteira e funcionários públicos e o segundo, os assalariados informais e os não-assalariados, inclui empregados sem carteira, domésticos sem carteira, trabalhadores por conta-própria, empregadores e trabalhadores auxiliares da família. Vamos denominar este segmento por relações de trabalho “atípicas”, sabendo que nelas a informalidade é predominante.

A Tabela 1 mostra a evolução dos dois grupos entre o 1º trimestre de 2012 (início da Pnad Contínua) até o 2º trimestre de 2019 (última Pnad disponível).

No período de 7,5 anos, a quantidade de pessoas ocupadas aumentou 5,7 milhões, de 87,6 milhões para 93,3 milhões. Em termos porcentuais, o crescimento no período foi de 6,5%, que representa apenas 0,8% ao ano.

A mesma Tabela 1 mostra que a quantidade de assalariados formais permaneceu no mesmo patamar inicial de 44,2 milhões, e que todo o crescimento ocorreu nas posições “atípicas”.

Tabela 1: Evolução da população ocupada segundo a posição na ocupação – 2012T1 a 2019T2

No gráfico G1 estão representadas as variações trimestrais na quantidade de pessoas ocupadas no período em análise.

As barras vermelhas representam os assalariados informais e os não-assalariados e as azuis representam os assalariados formais.

Uma inspeção visual mostra que nos trimestres recentes as variações positivas (crescimento) são predominantemente vermelhas. A última vez em que houve uma variação positiva azul maior que a vermelha foi no segundo trimestre de 2014 (2014T2).

Finalmente, o gráfico G2 apresenta três curvas.

A curva negra, referenciada ao eixo direito, representa o total de pessoas ocupadas.

A curva azul, que representa os assalariados formais, tem um crescimento no início do período, exatamente até o segundo trimestre de 2014. A partir desse ponto, a quantidade de pessoas deste grupo experimenta uma redução contínua.

A curva vermelha, que representa os assalariados informais e os não-assalariados, tem um comportamento estável até o 1º trimestre de 2017 e a partir deste ponto experimenta significativa aceleração.

Os dados da Pnad apontam dois momentos críticos:

2º trimestre de 2014, a partir do qual começa a diminuir a ocupação formal no Brasil. Era o final do primeiro mandato de Dilma Roussef, quando se deu o esgotamento do modelo por ela adotado e denominado “Nova Matriz Macroeconômica”. É neste ponto que se inicia a recessão profunda, que ainda não conseguimos superar.
1º trimestre de 2017, quando se interrompe a perda de posições formais e, ao mesmo tempo, o volume de ocupações atípicas começa a crescer, movimento perdura até este momento.

Podemos extrair duas conclusões e responder às duas questões levantadas, pelo menos em caráter preliminar.

Primeiro, como o movimento de ascensão das ocupações “atípicas” se inicia um ano antes da sua entrada em vigor, não seria correto atribuir à reforma trabalhista o crescimento observado neste segmento do mercado de trabalho.

Segundo, neste momento, observa-se, de fato, que o segmento formal do mercado está estagnado e o “atípico” em expansão.

Estaríamos mesmo diante de uma transformação estrutural? Posições não formais estariam mesmo substituindo posições formais?

Ainda é cedo para saber. Será preciso acompanhar por mais alguns trimestres a velocidade de expansão do segmento atípico e verificar se permanecerá maior mesmo, ou se trata-se apenas do tradicional impacto observado nas recessões sobre a informalidade, que desaparecerá quando se iniciar a recuperação.

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