Dr. Marcelo Mascaro aborda o desafio da reforma sindical em nova proposta do governo

O desafio da reforma sindical
Marcelo C. Mascaro Nascimento[1]

O governo federal instalou, neste mês de setembro, um grupo de trabalho, composto por magistrados da Justiça do Trabalho com o objetivo de promover nova reforma na legislação laboral. O grupo está divido em quatro temas: economia do trabalho, previdência, segurança jurídica e liberdade sindical.

Desde a reforma de 2017, com a Lei 13.467, as relações sindicais vêm sofrendo mudanças em sua regulação jurídica.

A referida lei, por exemplo, extinguiu a obrigatoriedade da contribuição sindical a não filiados e condicionou seu pagamento à existência de autorização prévia do trabalhador. Também instituiu a prevalência do negociado sobre o legislado em diversas matérias.

Contudo, parcela das entidades sindicais passou a entender que essa autorização poderia ser dada por assembleia geral. Assim, o sindicato convocaria uma assembleia, na qual se votaria se estaria autorizado a efetuar o desconto da contribuição daqueles que pertencem à categoria.

Diante disso, surgiram três interpretações da lei. A primeira, que prevalece nos tribunais, é que a autorização para o desconto deve ser dada individualmente por cada trabalhador.

A segunda é no sentido de que a assembleia sindical pode autorizá-lo, mas somente para quem for filiado ao sindicato.

Por fim, a terceira entende que é possível a assembleia sindical permitir o desconto para todos os trabalhadores que pertencem à categoria, mesmo que não filiados ao sindicato.

Buscando encerrar a controvérsia, em 2019, foi editada a Medida Provisória nº 873, que determinava que a autorização prévia para o desconto da contribuição sindical deveria ser necessariamente individual. A medida ainda estipulou que a cobrança se faria unicamente por boleto bancário ou equivalente eletrônico. O congresso, porém, não a converteu em lei, de modo que a MP perdeu sua vigência.

Com a criação do recente grupo de trabalho, são esperadas novas alterações na legislação sindical. Embora seja esperada alguma regulação em sentido próximo ao da referida MP, a maior mudança deverá ser em relação à unicidade sindical.

A partir de 1930, dentro de um projeto de corporativismo de Estado, o governo Vargas inseriu profundas mudanças nas relações sindicais até então existentes e deu início a um modelo em que predomina uma estrutura legal interventora na organização e ação das entidades.

O Estado passou a adotar a ideologia de integração das classes trabalhadoras e empresariais, que deveriam ser organizadas por ele sob a forma de categorias. Ocorreu a publicização dos sindicatos, a quem é atribuída a função de colaborar com o Poder Público.

Para cumprir esse propósito, foi criado um modelo sindical com base no sistema confederativo, na noção de categoria instituída pelo Estado, no enquadramento sindical obrigatório, na representação legal, na eficácia dos instrumentos decorrentes de negociação coletiva estendida a todos os membros da categoria, na unicidade sindical, no imposto sindical e na intervenção do Estado nessas entidades.

Com a redemocratização do Estado brasileiro, a Constituição Federal rompeu em parte com esse antigo modelo. Entre os elementos democratizantes da nova ordem está o término da interferência estatal na administração do sindicato e a necessidade do seu reconhecimento pelo Estado.

Entretanto, foram mantidas a unicidade, o imposto sindical e a extensão dos efeitos da negociação coletiva a todos os membros da categoria. Resultando, assim, em uma estrutura sindical híbrida, com elementos de liberdade sindical e resquícios do modelo corporativista.

No atual momento, a transição do modelo de unicidade sindical para o de pluralidade é o principal passo a ser dado rumo à liberdade sindical, tal como preconizada pela Convenção nº 87 da OIT.

Em 2003, foi criado pelo Governo Federal o Fórum Nacional do Trabalho, que tinha a atribuição de reunir representantes dos trabalhadores, empregadores e Governo Federal para construir uma proposta de reforma sindical e trabalhista.

Em 2005, foi enviada proposta ao congresso de reforma sindical, surgida a partir dos debates desse fórum, que, posteriormente foi abandonada. A proposta, contudo, não chegava a extinguir a exclusividade de representação e a contribuição sindical obrigatória.

Em relação à unicidade, na realidade, foi proposto um sistema intermediário. Era autorizada a existência de mais de uma entidade em um mesmo âmbito de representação, mas apenas um teria a prerrogativa de representar a categoria.

Introduzir a unidade sindical no modelo brasileiro, porém, trata-se de um percurso com diferentes caminhos possíveis.

Uma das principais questões a serem debatidas é a extensão das convenções e acordos coletivos aos não filiados à entidade sindical signatária do instrumento. A partir de distintos critérios, por exemplo, Portugal, Espanha, França e Itália autorizam, em alguma medida, a extensão desses efeitos.

Paralelo a isso, é preciso definir se, ainda que existentes diversas entidades em uma mesma base de representação, estariam todas elas autorizadas concomitantemente a celebrar convênios coletivos, ou apenas a mais representativa, conforme critérios previamente definidos.

Ademais, havendo a concomitância de instrumentos na mesma base representativa, é necessário regular a concorrência entre eles.

Outra questão que exige grande cuidado diz respeito à proteção contra atos antissindicais, o que é o objeto da Convenção nº 98, da OIT, ratificada pelo Brasil. Em um ambiente de pluralidade sindical, a possibilidade de distintas convenções e acordos coletivos serem aplicadas a diferentes trabalhadores pode gerar preferências ou discriminações a trabalhadores filiados ou não a determinados sindicatos.

As questões são diversas e complexas. Adequar a legislação sindical aos ditames das Convenções nºs 87 e 98 da OIT é um importante passo em direção à democratização das relações laborais.

Exatamente por isso, é preciso que o novo modelo seja pensado, dentro do contexto brasileiro, para fortalecer as entidades sindicais, tanto patronais quanto econômicas, e não o contrário, o que apenas contribuiria para enfraquecê-las e precarizar as relações de trabalho.

[1] Originalmente publicado no Jornal LexPrime, 12/09/19.

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